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Artigo: O atalho golpista do semipresidencialismo, por Hamilton Pereira

Hamilton Pereira (Pedro Tierra) afirma que o presidente da Câmara coloca a fórmula como antídoto contra eventual vitória das forças populares em 2022.

ícone relógio12/04/2022 às 13:18:25- atualizado em  
Artigo: O atalho golpista do semipresidencialismo, por Hamilton Pereira

Como o Brasil é um país condenado a se mover em círculos, não raro se torna necessário revisitar temas que aparentemente haviam sido superados pela agenda ou mesmo pela história, caso as elites políticas conservadoras considerassem minimamente a soberania popular. 

Há alguns dias o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de estudar e oferecer propostas ao Legislativo sobre esse ente ambíguo, meio carne meio peixe, denominado semipresidencialismo. Ou seja, um dos chefes do Centrão trabalha para trazer de volta uma agenda sobre a qual a sociedade brasileira já se pronunciou de forma inequívoca nas duas oportunidades em que foi consultada. 

Vamos recordá-las: o plebiscito de 6 de janeiro de 1963 foi convocado para tirar o país do impasse institucional criado por aquele parlamentarismo improvisado pelos militares que resultou no chamado Ato Adicional. Uma Emenda à Constituição de 1946 que sequestrou os poderes legítimos do vice-Presidente João Goulart, sucessor constitucional do presidente renunciante Jânio Quadros. 

A Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, engendrou por meio do esbulho do mandato legítimo do vice-Presidente eleito, a imposição do parlamentarismo contra a vontade popular expressa por um dos mais significativos movimentos cívicos da história do Brasil: a 

Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola.

Os primeiros artigos da emenda parlamentarista de 1961 são inequívocos: 

“Art. 1º - O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelo Conselho de Ministros, cabendo a este a direção e a responsabilidade da política do governo assim como a da administração federal.”

“Art. 2º - O Presidente da República será eleito pelo Congresso Nacional por maioria absoluta de votos e exercerá o cargo por cinco anos.”  Sem conversa mole retiraram do povo o direito de eleger o Presidente da República. Foram direto ao ponto.

No 21 de abril de 1993, por determinação constitucional, o povo brasileiro foi convocado a se manifestar sobre regime e sistema de governo. O delírio da Casa de Bragança de ressuscitar a monarquia contra a república foi pulverizado por 66,26% a 10,25% para os nostálgicos da coroa. A resposta dos eleitores sobre sistema de governo foi contundente: Presidencialismo 55% dos votos x Parlamentarismo 24,91% dos votos.

O semipresidencialismo retirado da gaveta pelas mãos de Arthur Lira, num ano eleitoral, é uma espécie de parlamentarismo bastardo bem ao estilo do seu obsessivo proponente – o golpista Michel Temer – esta figura que prosperou nas sombras do poder, nas últimas décadas. 

Nos porões onde se empenha em caldear seu estoque de venenos, o “mordomo de filme de terror”, na feliz definição de ACM, manipula os ingredientes da poção mágica para chegar à fórmula mais digerível do parlamentarismo, como antídoto contra uma eventual vitória das forças populares nas eleições 2022. 

O cálculo é simples: caso sejamos derrotados em outubro e vençam nossos adversários (as forças populares) é preciso prover os meios adequados para impedi-las de governar, de por em prática o programa que venha a ser chancelado pelo voto dos eleitores.

A proposta de parlamentarismo que ressurge, na terceira década do século XXI, não consegue esconder sua natureza golpista, respaldada por ilustres juristas conservadores, entre eles ministros de tribunais superiores, ainda que projetando sua vigência para 2030. 

Se é para entrar em vigor daqui a oito anos, por que o Presidente da Câmara Arthur Lira insiste na urgência de pôr em pauta justamente no momento em que se abre o calendário eleitoral de 2022?

Os argumentos em defesa do semipresidencialismo esgrimidos por seus defensores incluem a crítica ao que denominam a “instabilidade congênita do presidencialismo de coalisão”. Partem precisamente dos protagonistas do golpe de estado de 2016 e de integrantes do Judiciário. O poder que errou ao chancelar a deposição de uma Presidente da República, eleita legitimamente, sem que se provasse contra ela qualquer crime de responsabilidade. É oportuno lembrar que há poucos dias o Tribunal de Contas da União arquivou o processo que tramitava contra Dilma Rousseff por concluir que “não houve pedaladas fiscais!” 

Ora, se não houve as “pedaladas fiscais” que deram sustentação ao pedido de impeachment, houve um golpe de estado em 2016.

O sistema presidencialista funcionou desde quando foi promulgada a constituição de 1988 que o confirmou como sistema de governo e respondeu pelo mais longo período de estabilidade democrática da história republicana, até os resultados eleitorais serem questionados pelos derrotados, em 2014, com as consequências que todos conhecemos.

O argumento mais vistoso em defesa do sistema parlamentarista oferecido ao debate por seus partidários é que se trata de um mecanismo institucional flexível, capaz de garantir a estabilidade e evitar traumas e rupturas. É necessário arguir de que estabilidade estamos tratando. 

A experiência traz consigo uma história que merece ser lembrada. Para recuperar a memória, caberia perguntar: quantos foram os primeiros-ministros do governo parlamentarista no início dos anos 60? Tancredo Neves (de setembro 61 a julho de 62); Brochado da Rocha (de julho de 62 a setembro de 62); Hermes Lima (de setembro de 62 a janeiro de 1963). 

Em um ano e três meses o Brasil teve três chefes do Executivo. Que sociedade suporta esse padrão de estabilidade? Que credibilidade oferece o governo a quem deseja realizar algum tipo de investimento econômico seja de origem interna ou externa? 

Se refletirmos a sério sobre as consequência de sua adoção, não haverá grande dificuldade em concluir que o parlamentarismo à brasileira, que agora nos chega empacotado na embalagem do semipresidencialismo, foi a porta aberta para o mais longo e tenebroso período de ditadura militar que infelicitou o país por mais de duas décadas.

Convém lembrar que defensores do parlamentarismo de 1961, não tiveram escrúpulos, três anos depois, em abril de 1964, em abolir os partidos políticos, fechar o Parlamento ou, quando julgaram necessário, prender parlamentares, cassar seus mandatos, envia-los para o exílio ou simplesmente assassiná-los, como fizeram depois do sinistro 13 de dezembro de 1968, sob o AI-5.

Além dessa consideração que a experiência recente nos oferece, não custa lembrar: nas duas ocasiões em que a sociedade brasileira foi consultada a respeito de sistema de governo, deixou claro, de forma insofismável que não abre mão do seu direito de eleger seu Presidente da República com plenos poderes. E recusa as soluções mitigadas de exercer a soberania popular, engendradas pelos magos noturnos sempre empenhados na busca da pedra filosofal da democracia sem povo.

 

Por Hamilton Pereira da Silva (Pedro Tierra) – ex-presidente da Fundação Perseu Abramo

 

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